sábado, 19 de fevereiro de 2011

Imagens de um massacre no reino do Bahrein




“Massacre, é um massacre”, gritavam os médicos. Três mortos. Quatro mortos. Um homem passou pela minha frente em uma maca na sala de emergências, com o sangue escorrendo no piso, resultado de um ferimento de bala na perna. A poucos metros dali, seis enfermeiros lutavam pela vida de um homem pálido, barbudo, com sangue saindo do peito. “Tenho que leva-lo para a sala de cirurgia agora”, gritava um médico. “Não há tempo, ele está morrendo!”

Outros estavam ainda mais perto da morte. Um pobre jovem – 18, 19 anos, talvez – tinha um terrível ferimento na cabeça, um buraco de bala na perna e sangue no peito. O médico ao seu lado voltou-se para mim, com as lágrimas caindo sobre o avental manchado de sangue. “Tem fragmentos de bala no cérebro e não consegui tirar os pedaços, os ossos do lado esquerdo do crânio estão totalmente destroçados. Suas artérias estão todas rompidas. Não posso ajudar”. O sangue caía como uma cascata no solo. Era doloroso, vergonhoso e indignante. As vítimas não estavam armadas, mas acompanhavam o cortejo voltando de um funeral. Muçulmanos xiitas mortos por seu próprio exército bahreini na tarde de sexta-feira.

Um maqueiro estava regressando junto com milhares de homens e mulheres do funeral em Daih de um dos manifestantes mortos na Praça Pearl nas primeiras horas do dia anterior. “Decidimos caminhar até o hospital porque sabíamos que havia uma manifestação. Alguns de nós levávamos ramos como presentes de paz que queríamos dar aos soldados perto da praça, e estávamos gritando ‘paz, paz’. Não foi uma provocação – nada contra o governo. Mas os soldados começaram a disparar. Um deles disparou uma metralhadora de cima de um veículo blindado. Havia policiais, mas eles se foram quando os soldados começaram a disparar. Mas, sabe, o povo em Bahrein mudou. Não queriam sair correndo. Decidiram enfrentar as balas com seus corpos”.

A manifestação no hospital havia atraído milhares de manifestantes xiitas – incluindo centenas de médicos e enfermeiras de toda Manama, ainda com seus aventais brancos, que exigiam a renúncia do ministro da Saúde de Bahrein, Faisal Mohamed al Homor, por não permitir que as ambulâncias buscassem os mortos e feridos do ataque da polícia contra os manifestantes da Praça Pearl.

Mas sua fúria se tornou quase histeria ontem, quando trouxeram os primeiros feridos. Até cem médicos se aglomeraram nas salas de emergência, gritando e maldizendo o rei e o governo enquanto os paramédicos lutavam para empurrar as macas carregadas com as últimas vítimas através da multidão que gritava. Um homem tinha um grande curativo no peito, mas o sangue já estava manchando seu torso, pingando da maca. “Ele tem balas em seu peito e agora há ar e sangue em seus pulmões”, me disse a enfermeira ao seu lado. “Creio que o perdemos”. Assim chegou ao centro médico de Sulmaniya a ira do exército de Bahrein e, imagino, a ira da família Al Khalifa, incluindo rei.

O pessoal sentia que eles também eram vítimas. E tinham razão. Cinco ambulâncias enviadas para a rua – as vítimas de sexta-feira receberam os disparos em frente a uma estação de bombeiros, perto da Praça Pearl -, mas foram detidas pelo exército. Momentos mais tarde, o hospital descobriu que todos seus celulares estavam fora do ar. Dentro do hospital havia um médico, Sadeq al Aberi, ferido pela polícia quando foi ajudar os feridos na manhã de quinta.

Os rumores corriam como um rastilho de pólvora em Bahrein e o pessoal médico insistia em que até 60 cadáveres tinha sido retirados da Praça Pearl na quinta pela manhã e que a multidão viu a polícia carregar corpos em três caminhões refrigerados. Um homem me mostrou uma foto em seu celular na qual podia-se ver claramente os três caminhões estacionados atrás de vários veículos blindados do exército. Segundo outros manifestantes, os veículos, que tinham placas da Arábia Saudita, foram vistos mais tarde na estrada para aquele país. É fácil descartar essas histórias macabras, mas encontrei um homem – outro enfermeiro no hospital que trabalha para as Nações Unidas – que me disse que um colega estadunidense chamado “Jarrod” tinha filmado os corpos quando estavam sendo carregados nos caminhões, mas foi preso pela polícia e não foi mais visto.

Por que a família real do Bahrein permitiu que seus soldados abrissem fogo contra manifestantes pacíficos? Atacar civis com armas de fogo a menos de 24 horas das mortes anteriores parece um ato de loucura. Mas a pesada mão da Arábia Saudita pode não estar muito longe. Os sauditas temem que as manifestações em Manama e nas cidades do Bahrein acendam focos igualmente provocadores no leste de seu reino, onde uma significativa minoria xiita vive ao redor de Dhahran e outras cidades perto da fronteira com o Kuwait. Seu desejo de ver os xiitas de Bahrein sufocados tão rápido seja possível ficou claro quinta-feira, na cúpula do Golfo, com todos os sheiks e príncipes concordando que não deveria haver uma revolução ao estilo egípcio em um reino com uma maioria xiita de cerca de 70% e uma pequena minoria sunita que inclui a família real.

No entanto, a revolução do Egito está na boca de todos em Bahrein. Fora do hospital, estavam gritando: “O povo quer derrubar o ministro”, uma ligeira variação dos cantos dos egípcios que se libertaram de Mubarak, “O povo quer derrubar o governo”. E muitos na multidão disseram – como disseram os egípcios – que tinham perdido o medo das autoridades, da polícia e do exército.

A polícia e os soldados em relação aos quais agora expressam tamanho desgosto eram bastante visíveis ontem nas ruas de Manama, olhando com ressentimento desde seus veículos blindados azuis e tanques fabricados nos Estados Unidos. Parecia não haver armas britânicas à vista – ainda que estes sejam os primeiros dias de protesto e tenham aparecido blindados feitos na Rússia ao lado dos tanques M-60. No passado, as pequenas revoltas xiitas eram cruelmente reprimidas no Bahrein com a ajuda de um torturador jordaniano e um alto funcionário da inteligência, um ex-oficial da Divisão Especial Britânica.

Há muita coisa em jogo aqui. Esta é a primeira insurreição séria nos ricos estados do Golfo, mais perigosa para os sauditas que os islamistas que tomaram o centro de Meca há mais de 30 anos. A família de Al Khalifa sabe que os próximos dias serão muito perigosos para ela. Uma fonte confiável me disse que na quarta-feira à noite um membro da família Al Khalifa – que seria o príncipe herdeiro – manteve uma série de conversações telefônicas com um proeminente clérigo xiita, o líder do partido Wifaq, Ali Salman, que estava acampando na Praça Pearl. O príncipe aparentemente ofereceu uma série de reformas e mudanças no governo que ele pensou que o clérigo tinha aprovado. Mas os manifestantes permaneceram na praça. Exigiam a dissolução do Parlamento. E logo veio a polícia.

Nas primeiras horas da tarde, cerca de 3 mil pessoas se concentraram em apoio à família real e muitas bandeiras nacionais apareceram nas janelas de automóveis. Esta pode ser a capa da imprensa bahreini neste sábado, mas não terminará com o levante xiita. E o caos da noite no maior hospital de Manama – o sangue escorrendo dos feridos, os gritos pedindo ajuda nas macas, os médicos que nunca tinham visto tantos feridos à bala; um deles simplesmente sacudiu a cabeça incrédulo quando uma mulher teve um ataque ao lado de um homem empapado em sangue – somente irritou ainda mais os xiitas desta nação.

Um médico que disse se chamar Hussein me deteve quando saía da sala de emergência porque queria me explicar sua revolta. “Os israelenses fazem esse tipo de coisa com os palestinos, mas aqui são árabes disparando contra árabes”, bradou em meio à gritaria. “Este é o governo bahreiní fazendo isso com seu próprio povo. Estive no Egito há duas semanas, trabalhando no hospital Qasr el Aini, mas as coisas aqui estão muito pior”.


Por Robert Fisk
(*) Publicado originalmente no The Independent (Inglaterra), Especial paraPágina/12 (Argentina).


Fonte: Carta Maior

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Deputado Pastor propõe ensino religioso obrigatório. Era só o que faltava...



Por Pedro Júnior

Primeiramente posto a matéria, em seguida comento.


O Dep. Federal Pastor Marco Feliciano, apresentou no dia 09/02/2011 o projeto de Lei n° 309/2011, instituindo o ensino religioso obrigatório nas escolas públicas. O Deputado foca a sua atuação numa campanha que pretende atingir todas as pessoas que se preocupam com a formação básica da primeira infância e dá o nome a ela de “PAPAI DO CÉU NA ESCOLA”. Todavia, tendo todo o cuidado de não fazer proselitismo religioso, pois temos que respeitar todos os seguimentos religiosos.  Citando o texto Bíblico do livro de Provérbios 22:6 “Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele” -defende a importância do ensino religioso nas escolas, justificando-se conhecer a existência de matéria nos currículos escolares, porém agora, tornando matéria obrigatória nos “CURRICULOS ESCOLARES DO ENSINO FUNDAMENTAL”,circunstancia de que  o ensino religioso é a base histórica dos princípios morais e éticos da sociedade.
O Deputado ainda faz lembrar que todos os países que embora laicos não preservaram tais ensinamentos, tiveram que fazer o controle da ordem social com ditaduras das mais sanguinárias.
Em discurso feito cita o romancista russo Fiodor Dostoievski ao dizer: “Há, no homem, um vazio do tamanho de Deus”, e disserta: “O homem pode até tentar preencher o vazio de sua vida com outras coisas, mas isso jamais será suficiente para que alcance sua plenitude”.
O Deputado argumenta sobre a falta da disposição do tempo dos pais para praticarem o ensino da fé em Deus aos seus filhos e sobre a banalização da vida. Crianças estão sendo vítimas de overdose de drogas dentro das escolas, o crack está destruindo a mente dos filhos desta pátria – afirma o Deputado. A falta do respeito para com os educadores bem como a violência dentro das escolas mostra que o moral,  a ética e o respeito ao próximo são valores ignorados, por isso precisamos resgatar o ensino religioso em nosso país, e isto de maneira sábia, simples e coerente  – continua. Quero ver os filhos desta nação voltarem a pedir a benção aos seus pais antes de dormirem, e olharem para a imensidão do cosmos e dizer: HÁ UM PAPAI DO CÉU QUE CUIDA DE NÓS! – termina.

Pode parecer uma piada de mau gosto, mas não é. E uma quantidade impressionante de pessoas leva essa proposta muito a sério. Trata-se de uma proposta do Deputado Pastor  M. Feliciano, cujo objetivo é tornar obrigatória na grade de ensino das escolas brasileiras a disciplina de ensino religioso. Trata-se de uma afronta à liberdade religiosa, ao Esta laico e à consciencia informe de milhões de crianças e adolescentes espalhados pelo Brasil. 
É uma afronta à liberdade religiosa pois não leva em consideração as mais diversas crenças existentes no mundo, entre elas a crença na inexistência de qualquer entidade divina. Os pilares judaico-cristãos serão repassados em sala de aula por professores comprometidos com determinada fé e, em geral, são completamente despreparados para tal missão (falo com conhecimento de casos).
É uma afronta ao Estado laico pois este, enquanto tal, não deve obrigar ou sequer sugerir que o ensino religioso seja ensinado, pois deve resguardar e respeitar a pluralidade de fé e da falta de fé que existe na sociedade brasileira. Para ensinar os princípios religiosos às pessoas é que existem os templos, igrejas, etc, que são frequentados por aqueles que o desejam e escolhem de livre e espontânea vontade a fé que lhe seja mais atraente.


Considero ainda um desrespeito à consciência de milhões de crianças e adolescentes pois que, em sua grande maioria, ainda estão em formação. Durante esse período de formação é preciso muito cuidado ao ministrar essa disciplina, que pode facilmente se tornar proselitista e causar constrangimento a algum aluno que, eventualmente,  se declare ateu. A formação religiosa dos jovens deve ser trabalhada atendendo ao questionamento dos mesmos e apresentando a pluralidade de explicações existentes e dando a opção de livre escolha por parte dos mesmos. Tudo isso, preferencialmente, no ambiente do lar. Não na escola.


Mas gostaria de saber se o Deputado Pastor é favorável ao ensino de religiões que firam frontalmente os dogmas cristãos, como aquelas de matriz afro-brasileira, geralmente achincalhadas e demonizadas em alguns templos evangélicos. E o islamismo, será contemplado? E o budismo, o hinduísmo?


Espero que tal projeto não seja aprovado, e que tenha servido para duas coisas: primeiro, logicamente, para atender a demandas provenientes de seus eleitores evangélicos, que adorariam ver a fé cristã sendo propagada em escolas com a benção estatal. E segundo, e mais importante, para que o debate em torno do tema permita que a nação brasileira amadureça e fortaleça o caráter laico e democrático das instituições públicas.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ateus, saiam do armário! Ateísmo e falsas simetrias

Reproduzo artigo do blog O Biscoito Fino e a Massa, e parabenizo o autor, que pensa muito parecido com que eu penso.


O Biscoito Fino e a Massa (o blog Discussão e Debate também) combate as falsas simetrias desde outubro de 2004. Outro dia, numa mesa de bar, tive que ouvir a velha história de que “machismo” e “feminismo” são duas coisas idênticas; de que as mulheres deveriam abandonar essa história de feminismo porque ... afinal de contas, somos todos seres humanos! Uma amiga querida, feminista, encarregou-se de explicar o óbvio: que o machismo é a justificativa ideológica de uma opressão milenar, que subjuga as mulheres, relega-as à condição de serventes, e que o feminismo representa a luta por uma sociedade em que todos tenhamos os mesmos direitos-- uma sociedade em que as mulheres possam, por exemplo, legislar sobre seu próprio útero. Daí, a conversa da nossa interlocutora descambou para a discussão do racismo, onde ela de novo repetia a ladainha de que uma camisa 100% negro e uma camisa 100% branco representavam coisas igualmente reprováveis, como se não tivesse havido aquele pequeno detalhe chamado escravidão.
Está em curso uma perigosa tendência a silenciar os ateus. O argumento – calhorda, cafajeste, ignorante – é que cada vez que um ateu sai do armário, se assume como tal e começa, a partir dali, a articular publicamente suas razões para ser ateu, ele está repetindo, mimetizando, reproduzindo a doutrinação evangélica com a qual somos bombardeados todos os dias. Cada vez que os ateus começamos a falar publicamente sobre essa mais óbvia e razoável das escolhas vem alguém nos acusar de ... estar querendo evangelizar os outros!
Dá pra imaginar uma simetria mais falsa?
Uma pesquisa recente, da Fundação Perseu Abramo, mostra que os ateus representamos o grupo social mais discriminado socialmente. Mais que negros. mulheres, travestis, gays, lésbicas. Mais, até mesmo, que transsexuais. Eu não estou dizendo que a discriminação cotidiana que sofre, por exemplo, um ateu branco, é comparável à que sofre um negro de qualquer crença. Não é. Não é, em primeiro lugar, porque ser negro e, até certo ponto, ser gay, são coisas impossíveis de se esconder. Ser ateu, não. Mas se você perguntar a um brasileiro em qual membro de grupo social ele não aceitaria votar de jeito nenhum, os ateus estamos, disparados, em primeiro lugar. Vivemos ainda nesse estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes – para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica promovida pelas religiões.
A crítica que ouço por aí a Richard Dawkins – que ele está liderando um movimento ateu que tem caráter evangelizante, doutrinador, e que portanto ele acaba se parecendo a um crente – é de uma burrice digna de um cristão*. Nós passamos séculos em que os ateus não tínhamos sequer o direito de falar na esfera pública enquanto tais. Nós vivemos num mundo onde professores são despedidos por serem ateus; adolescentes recebem suspensão na escola por serem ateus; políticos que se declaram ateus têmpouquíssimas chances de serem eleitos. Essa mais razoável e óbvia das conclusões filosóficas – a de que o mundo não foi criado por nenhum ser onipotente – ainda é motivo de perseguição severa para qualquer um que a abrace.
Apesar do caráter laico da República Federativa do Brasil, garantido na nossa constituição, as religiões ainda gozam desses estranhos privilégios: não pagam impostos, por exemplo. A pior parte é que elas podem dar palpite em absolutamente tudo -- desde o currículo escolar até o útero alheio – mas, no momento em que são questionadas, o debate é silenciado com aquele mais cretino dos argumentos, ah, tem que respeitar minha religião.
Entendam o ponto de vista d' O Biscoito Fino e a Massa sobre isso: tem que respeitar religião porra nenhuma. Tem que acabar com essa história de que, todas vezes que apontamos a misoginia, a homofobia, os estupros de crianças, a guerra anticiência, os séculos de lambança obscurantista, sempre aparece alguém para dizer "ah, tem que respeitar minha religião".
Ideias não foram feitas para serem "respeitadas". Ideias foram feitas para serem debatidas, questionadas, copiadas, circuladas, disseminadas, combatidas e defendidas, parodiadas e criticadas. De preferência com argumentos. Seres humanos merecem respeito. Pregação contra o que seres humanos são, por sua própria essência e identidade (gênero, raça, orientação sexual) não pode ser confundida com sátira antirreligiosa. A maioria dos carolas adora confundir sátira antirreligiosa com ataque misógino ou homofóbico. Não entendem que sua superstição é, essa sim, uma opção.
As três famílias que chamo de minhas – a sanguínea, a de meu amor e a da mãe de meus filhos, todas elas majoritamente católicas – são testemunhas de que jamais invadi um ritual religioso deles para fazer sátira, questionar o que quer que seja ou tentar converter quem quer que seja. O ritual acontece no espaço privado – que é onde ele tem o direito constitucional de acontecer – sem que eu jamais o desrespeite. Mas isso não é porque eu “respeito a religião”. Isso é porque eu os respeito, como pessoas. Tenho a opção de acompanhar o ritual em silêncio ou afastar-me porque, afinal de contas, são três famílias maravilhosas.
Entendam: o debate na esfera pública são outros quinhentos. E, neste debate, nós chegamos para ficar. Ateus, saiam do armário. Sem medo. É muito melhor.

O que a TV nos manda ver

Reproduzo aqui artigo de Sandra Fernandes, publicado no Blog Passe Livre:




O Correio do Metrô desta semana, ano 18/edição 397, traz interessante, oportuno e inquietante artigo da jornalista e psicóloga Sandra Fernandes onde ela nos propoe uma reflexão acerca da forma como nós aceitamos, passivamente, a ditadura de conteúdo da TV.

Trata-se de reflexão pra lá de oportuna, tendo em vista que o telespectador brasileiro se depara uma vez mais com o tal do BBB e a manipulação de conteúdo dos telejornais no que diz respeito ao Egito e Oriente Médio. Confira!

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O que a TV nos manda ver

Sandra Fernandes

Você já reparou que temos o hábito consolidado de sentar no sofá, ligar a TV e esperar por informações acerca do que está acontecendo no mundo, dia após dia, ouvindo, consumindo, mas nunca questionando? Alguma vez já se perguntou que fatia dos acontecimentos mundiais, nacionais e locais está representada ali? Já pensou em quanta coisa fica fora dos noticiários? Já parou para refletir que existe alguém que decide o que entra no ar e o que não entra? Já se perguntou quais critérios essa pessoa usa para fazer essa triagem noticiosa decidindo o que será e o que não será repassado ao telespectador? Será que aquilo que ela considera importante seria o mesmo que você consideraria importante? Se você pudesse selecionar as informações, será que escolheria as mesmas notícias? O que eles mostram ali realmente influencia sua vida? 

É assustador pensar que tem alguém decidindo por nós o que iremos saber e aquilo de que não tomaremos conhecimento. A quem servem esses senhores anônimos, mas conscientes do que fazem, levando mensagens a um público semi-adormecido? Precisamos acordar, despertar de nossa passividade e refletir acerca de como são fabricados, distribuídos e vendidos esses produtos chamados notícias, bens intangíveis, mas que nem por isso deixam de ser bens de consumo. Ligamos nossa TV despreocupadamente acreditando que iremos ouvir verdades. Será? Acreditamos que seus “conselhos” são bons. Será que são? Pensamos que as notícias veiculadas refletem realmente o que há de mais importante para saber. Será mesmo?

Você já reparou nos anúncios que assiste enquanto espera pelo próximo bloco? Quem são aquelas empresas que investem milhões para veicular seus nomes e seus produtos naquele chamado horário nobre em que milhões e milhões de pessoas estão, tal qual você, sentados assistindo aquele programa jornalístico? Claro, elas bancam o custo da produção televisiva que, todos sabemos, é muito alto e que nós recebemos gratuitamente em nossos lares. 

Mas, será que em algum momento não pode haver um choque entre os interesses deles (patrocinadores) e nosso direito de conhecer os fatos e suas verdades? Se houver esse conflito, que sairá ganhando, nós, simples consumidores – e no mais das vezes, nem consumidores somos porque não podemos comprar o que eles vendem – ou os grandes e poderosos grupos que patrocinam os telejornais e enchem de glamour e de dinheiro os concessionários de canais de TV? Aliás, vale lembrar que as TVs têm apenas concessões e que, portanto, prestam um serviço publico por delegação do Estado.

Você já reparou que há varias formas de contar a mesma história? Várias abordagens, várias ênfases, vários significados? Já reparou que normalmente a primeira frase de uma matéria televisiva já determina de que forma ela deve ser interpretada e já prepara o caminho para a conclusão que deve ser tomada sobre o que foi dito? Já reparou que não há questões em aberto para você refletir? Tudo vem pronto, mastigado, resolvido. Em perfeita harmonia como roupa prêt-à-porter e como a comida fast-food, também alguém já lhe poupa o trabalho de pensar, de refletir, de analisar os fatos. O risco é você começar a acreditar que não tem capacidade para pensar, já que não lhe dão essa oportunidade.

Você já reparou que todos os dias as pessoas repetem, nas ruas, no trabalho, nos bares, a surrada frase “você viu… na TV ontem, que coisa horrível/engraçada/triste/absurda?” E se você, naquela fatídica noite, precisou levar sua sogra para a rodoviária e perdeu o famigerado pautador de assuntos, passa a ser considerado um desprezível e desatualizado cidadão que não leu na cartilha da boiada a lição da noite anterior. O curioso é que todos saem com a mesma opinião pasteurizada sobre os assuntos e ai de você se discordar do senso comum! 

Em suma, alguém decide sobre o que você vai conversar no dia seguinte e que impressão você vai causar no seu grupo social. Curioso, não? Mais curioso ainda é que tudo isso nos parece normal. Estranho é questionar essas coisas. Mas precisamos questioná-las. Não podemos permanecer adormecidos, passivos, conformados. Precisamos ansiar pela verdade simples, clara e objetiva e, sobretudo, não podemos deixar de considerar que toda mensagem é transmitida por alguém que está dentro de um contexto, que faz escolhas, que tem um objetivo ao transmiti-la. É necessário que essas mensagens astutamente elaboradas cheguem a cabeças críticas e conscientes e não apenas depósitos cerebrais de informações e interpretações pré-fabricadas.

O início preocupante do governo Dilma

A decisão da presidenta Dilma Rousseff de promover um corte cirúrgico de 50 bilhões no Orçamento da União confirma que os tecnocratas neoliberais estão com a bola toda no início do novo governo. Eles já bombardearam a proposta de aumento real do salário mínimo, aplaudiram a decisão do Banco Central de elevar a taxa de juros e, agora, festejam os cortes nos gastos púbicos. Tudo bem ao gosto das elites rentistas e para delírio da mídia do capital, que agora decidiu bajular a nova presidenta.

Na justificativa para o corte dos gastos, o ministro Guido Mantega, tão duro contra o sindicalismo na questão do salário mínimo, mostrou-se dócil diante do “deus-mercado”. Sem meias palavras, ele afirmou: “Nós estaremos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010... Nós já estamos retirando esses incentivos e agora falta uma parte deles que estão sendo retirados do Orçamento de 2011, que são os gastos públicos, que ajudaram a estimular a demanda”.

Um triste regresso ao “malocismo”?

Numa linguagem empolada, típica de quem esconde as maldades, Mantega argumentou que “este ajuste, esta consolidação fiscal, possibilitará que nós alcancemos o superávit primário” – outro termo que causa orgasmos nos banqueiros e rentistas. A União, explicou o ministro, já teria reservado “quase R$ 81,8 bilhões” somente para o pagamento dos juros – isto é, o dobro dos investimentos orçamentários destinados ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC (de R$ 40,15 bilhões).

Na prática, as decisões recentes do governo parecem indicar um triste regresso ao “malocismo” – uma mistura de Pedro Malan, czar da economia no reinado de FHC, e Antonio Palocci, czar da economia no primeiro mandato de Lula. Os seus efeitos poderão ser dramáticos, inclusive para a popularidade da presidenta Dilma. De imediato, as medidas de elevação dos juros e redução dos investimentos representam um freio no crescimento da economia e, conseqüentemente, na geração de emprego e renda.

Suspensão de concursos e outras maldades

Além de reduzir o papel do Estado como indutor do crescimento, o corte drástico de R$ 50 bilhões no Orçamento da União terá impacto nos serviços públicos prestados à população. O governo já anunciou a suspensão dos concursos para a contratação de novos funcionários e protelou a nomeação de 40 mil servidores aprovados em seleções anteriores. Para Maria Thereza Sombra, diretora da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursados, estas medidas levarão ao “estrangulamento da máquina”.

Empolgado com a retomada de alguns dogmas neoliberais, O Globo diariamente dá manchete às medidas de “ajuste fiscal” do ministro Mantega. Na edição de 10 de fevereiro, o jornal festejou: “O corte de R$ 50 bilhões nas despesas do Orçamento de 2011 deixará alguns ministérios a pão e água”. No estratégico Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, o corte previsto é de R$ 1,3 bilhão. Até o sistema de vigilância ambiental, alardeado após a tragédia carioca das chuvas, corre sério risco de ser enterrado.

A ditadura do capital financeiro

Como se observa, as perspectivas no início do governo da presidenta Dilma Rousseff são preocupantes. Ainda é cedo para se fazer qualquer avaliação mais conclusiva, taxativa. Mas há indícios de que as velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio do Planalto, sob o comando do todo-poderoso ministro Antonio Palocci. Na prática, a opção por retomar a desgastada ortodoxia neoliberal, com aumento dos juros e cortes dos investimentos, evidencia a força da ditadura financeira no Brasil. 

Esta opção, porém, não tem nada de racional sob o ponto de vista dos trabalhadores. Foram exatamente as medidas heterodoxas de estímulo ao mercado interno, adotadas no segundo mandado de Lula, que evitaram que o país afundasse na crise mundial que abala o capitalismo desde 2008. Nas eleições de 2010, o povo votou na continuidade e no avanço daquele modelo econômico de desenvolvimento e não na regressão à ortodoxia neoliberal.

Campo Minado, de Jessé: simplesmente belo

Tem alguns momentos em nossas vidas que a gente acha que já viu de tudo, mas eis que surge alguém com algo do fundo do baú que nos emociona e nos surpreende. Foi esse o caso da canção Campo Minado, do inesquecível Jessé (agora eu o acho inesquecível), cujo vídeo posto abaixo para deleite geral da nação.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cantora irlandesa (Sinead O'Connor) rasga a foto do Papa: inesquecível

Por Pedro Júnior

Eis aqui um vídeo bastante polêmico, em que a cantora irlandesa Sinead O'Connor rasga, ao final de sua performance, a fotografia do Papa João Paulo II. Infelizmente não consegui um vídeo com legendas, mas a execução da música ficou perfeita... Realmente emocionante.

PS: Quero postar aqui uma contribuição de um leitor que trouxe mais informações a respeito da cantora do vídeo abaixo postado.

"Essa atitude polêmica foi tomada como maneira de alertar para os casos de abuso de crianças por padres católicos. Até hoje (quase vinte anos depois) as denúncias de abuso continuam, e Sinéad persiste na luta pelos direitos infantis.

Após essa apresentação - no programa da tv americana "Saturday Night Live" - O'Connor se tornou figura non-grata na mídia norte-americana. A chamada grande mídia insiste em dizer que Sinéad encerrou a carreira prematura nos fins dos anos 90. Entretanto a cantora está em estúdio, gravando o nono álbum de sua carreira, e possui uma legião de fãs no mundo inteiro - inclusive nos Estados Unidos, país que deverá receber alguns shows da nova turnê de Mrs. O'Connor. Seus discos batem record de vendagem mesmo sem receber grande atenção da imprensa internacional."
Tais informações apenas me fazem admira-la mais, e a assistir outra vez o vídeo.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Até Jô Soares rejeita o BBB-11

O Big Brother Brasil, programa de baixarias e vilanias da TV Globo, causa cada vez mais rejeição e desconforto. Além da queda de audiência nestes primeiros dias da sua décima primeira edição, o BBB tem recebido críticas até das "estrelas globais" da própria emissora.

No final de janeiro, Jô Soares postou no seu twitter: "BBB = desligue a TV". Ao ser questionado sobre a sua dica, o apresentador, que está em férias, distante da direção da Rede Globo, ainda respondeu: "Liberdade de expressão. Eu falo do programa que eu quiser." Mas tentou evitar maiores danos. "Não estou incentivando ninguém a desligar a TV, desliga quem quer".

Um bando "sem graça"

Logo na sequência, Agnaldo Silva, autor de várias novelas da emissora, criticou o fato da transexual Adriana ter sido eliminada no primeiro paredão do programa. Ele escreveu no seu twitter: “Alguém falou e eu concordo: tirar Adriana do BBB é o mesmo que matar o protagonista da novela no primeiro capítulo. Fica sem graça!”.

O dramaturgo ainda esculhambou “aquele bando de homens com cara de quem não lava as partes há vários dias? Sem graça!”. E até aconselhou o diretor do programa: “Eu se fosse o Boninho virava a mesa, trazia a bicha de volta e, quando me perguntassem porquê, eu responderia: ‘por que quero, po**a’!”

"Eu não gosto mesmo"

Agora, no Jornal da Tarde desta segunda-feira (7), o ator José Wilker – que acumula um currículo de 55 novelas, 49 filmes e 30 peças – afirmou com todas as letras que o programa é entediante. Ele bateu duro na entrevista:

“Eu não gosto mesmo. Vi o Big Brother na casa de amigos. Aquilo me entedia um pouco. Na verdade, se trata de trabalhar com personagens pobres. E a coisa do dinheiro, em função de um comportamento, acaba nivelando as pessoas por baixo. Nada contra, mas eu não apostaria muito nisso”.

Campeão de baixarias na TV

Apesar das críticas "globais" e da baixa audiência - o BBB-11 amarga desde a estréia o pior índice da história do reality show –, a direção da Globo parece que não está disposta a mudar de rumo. O programa de baixarias, que explora os piores instintos humanos, ainda dá muito lucro à emissora.

Para seduzir novos telespectadores - a média das primeiras semanas do BBB alcançou 26 pontos no Ibope, abaixo dos 31 pontos registrados na décima edição, considerada a pior até então -, Boninho não vacila no jogo sujo.

O diretor tenta de tudo: paredão quádruplo com direito a duas eliminações de uma só vez; construção de uma casa de vidro num famoso shopping carioca para dar a chance de um dos cinco primeiros eliminados retornarem ao programa; e até a intervenção de Pedro Bial apelando para os participantes “curtirem a vida dentro da casa”. O BBB-11 entrará para a história como um dos programas mais abjetos da televisão brasileira.

Deputada Luiza Erundina é censurada pela Rádio Bandeirantes




Nesta semana, a deputada federal Luiza Erundina (PSB/SP) teve uma entrevista vetada pela direção da Rádio Bandeirantes. A deputada iria falar sobre um projeto de lei por ela proposto, mas na manhã da entrevista recebeu uma ligação cancelando-a e como justificativa escutou: “Este veto é uma resposta aos ataques que a deputada vem fazendo à Rede Bandeirantes”.

A deputada Luiza Erundina é uma das parlamentares mais atuantes na luta pela democratização das comunicações, que em muitos momentos contraria os interesses das empresas de radiodifusão. Entretanto, o objetivo destas ações não é atacar nenhuma das emissoras e sim “ motivar mais democracia e transparência no processo de renovação das concessões PÚBLICAS de rádios e TVs”.
Abaixo reproduzimos a nota enviada pela assessoria da deputada,com mais detalhes sobre o caso.


Veto ao interesse público e ao direito à informação
A produção do programa Manhã Bandeirantes, na Rádio Bandeirantes de São Paulo, agendou uma entrevista por telefone com a deputada Luiza Erundina para esta quarta-feira, 9 de fevereiro, às 10h30.  A pauta seria o Projeto de Lei n° 55/2011, apresentado pela deputada Erundina na Câmara, que institui referendo popular obrigatório para a fixação dos vencimentos do Presidente da República e dos parlamentares.

O projeto é de notório interesse público visto que o reajuste de 62% nos subsídios dos parlamentares aprovado no final de 2010 foi implacavelmente criticado por grande parte da população brasileira e pela imprensa. Inclusive, no dia anterior à entrevista com a deputada Luiza Erundina, o apresentador do programa Manhã Bandeirantes, José Luiz Datena, questionou a dificuldade para o reajuste do salário mínimo dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros enquanto que, o reajuste de 62% para os parlamentares foi votado e aprovado em caráter de urgência pela Casa, com voto da imensa maioria dos congressistas.

Nesse contexto estávamos, a deputada Luiza Erundina e sua assessoria, aguardando a ligação para a participar do programa quando, 1h antes da possível participação, recebemos uma outra ligação cancelando a entrevista. Tratava-se de um veto da direção do grupo. Questionados sobre o por que da censura, do veto à fala de uma parlamentar brasileira em um veículo da imprensa livre, sobre projeto de interesse público, fomos surpreendidos com uma justificativa de cunho absolutamente pessoal: “Este veto é uma resposta aos ataques que a deputada vem fazendo à Rede Bandeirantes”.

Ora, a deputada Luiza Erundina apresentou requerimento junto à Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, para a realização de audiências públicas com o objetivo de debater a renovação de concessões públicas de rádio e TV. E ela não fez isso como um “ataque” pessoal à Rede Bandeirantes. Ela apresentou requerimentos solicitando audiências públicas para debater o processo de renovação de emissoras ligadas à Rede Globo, à Rede Record e à Rede Bandeirantes, não como um ataque a essas emissoras, mas com o objetivo de motivar mais democracia e transparência no processo de renovação das concessões PÚBLICAS de rádios e TVs. (REQ-205/2009 CCTCI e REQ-220/2009)

O pleito da deputada Luiza Erundina foi absolutamente isento de pessoalidade. Apenas suscita o uso de instrumentos democráticos do Congresso – as audiências públicas – para a avaliação de um serviço de interesse público, antes da sua renovação por mais 15 anos. Já o posicionamento da rede Bandeirantes revela exatamente o contrário: numa retaliação ao exercício parlamentar da deputada, priva a sociedade de ter mais informações sobre um Projeto de Lei de absoluto interesse público, já que os subsídios dos representantes do povo são oriundos do orçamento público, que pertence ao povo. Episódios como este, violam o direito à informação, e revelam que a liberdade de expressão no Brasil, definitivamente, não é uma realidade. Isenção, impessoalidade, interesse público, direito à informação ainda são expressões estranhas à maioria dos meios de comunicação. Lamentável para as comunicações. Lamentável para o Brasil.

A insustentável leveza das ditaduras



















Após quase três semanas de luta, dezenas de milhões de egípcios conseguiram fazer renunciar um dos ditadores “do bem” da direita mundial, Hosni Mubarak, encastelado no poder havia trinta anos. Um déspota contra quem nunca se ouviu ou leu um milésimo do que a imprensa internacional não pára um só dia de dizer contra Cuba ou contra o Irã.
De repente, de algumas semanas para cá, no entanto, a ditadura egípcia entrou no noticiário e não saiu mais. Não era mais possível esconder que um dos tentáculos dos Estados Unidos no Oriente Médio estava se putrefazendo em alta velocidade.
Mas a questão que me acorre à mente diante de um desfecho da crise institucional no Egito que muitos – este blogueiro incluído – duvidaram de que pudesse ocorrer é sobre a natureza das ditaduras, sobre como vão levando as sociedades sobre as quais se abatem a um ponto de esgotamento como esse a que chegou o país do Oriente Médio.
Ditaduras são insustentáveis. Podem durar décadas valendo-se da força, mas não conseguem se manter indefinidamente. Vejam o caso da ditadura egípcia. Nem o apoio americano ou da grande mídia internacional foi suficiente para impedir que o povo colocasse um ponto final naquilo. E não foi por falta de tentativas.
Mubarak, a mídia e os EUA tentaram enrolar o mundo com aquela tal de transição “lenta, gradual e segura” que já foi imposta ao Brasil, mas no Egito não rolou. Na manhã de hoje, já se falava em uma mobilização de VINTE MILHÕES de pessoas. Além disso, o país estava paralisado. Nada funcionava. Imaginem tudo parar por quase três semanas.
Nesse momento, lembro-me de Cuba. Jamais houve nada parecido por lá. Não se tem nem notícia de repressão de manifestações contra o governo. Figuras isoladas promovem greves de fome que são recebidas com frieza pela população, apesar de a mídia lhes dar extrema visibilidade, como se tais ações tivessem alguma representatividade.
O regime cubano não cai e não é contestado pelo povo. Por que? Os cubanos não saem às ruas porque são covardes? A repressão em Cuba seria maior do que em qualquer outra nação supostamente submetida a ditadura? Não creio. O que me parece é que não há, naquele país, um sentimento de que vive sob regime ditatorial.
Acima de tudo, portanto, o que se deve extrair do que aconteceu no Egito é um modus operandi de luta pela liberdade que promete infernizar ditaduras nos quatro cantos da Terra. O povo mostrou que tem o poder. Que é só sair as ruas e se recusar a permitir que o país funcione sob o jugo de ditadores.
Ditaduras não têm base popular e, assim, não têm o peso de governos legitimamente constituídos, ungidos pelo desejo das maiorias democráticas. Essa “leveza” das ditaduras, portanto, é o que as torna insustentáveis, como o Egito acaba de mostrar ao mundo, para desespero de todos aqueles aos quais as ditaduras beneficiam.

Artigo de Eduardo Guimarães, do blog da Cidadania.