Rcproduzo artigo de Rogério Tomaz Jr., publicado no blog Conexão Brasília-Maranhão:
Com todas as suas limitações e contradições, a democracia política que experimentamos hoje garante liberdade suficiente para que exista todo tipo de posição política/ideológica.
Nesse regime, até excrescências como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) podem existir.
Saudoso dos tempos em que liberdade de expressão no Brasil não passava de quimera, Bolsonaro jamais admitiria, mas deve sua visibilidade justamente à liberdade política que hoje vigora no País, apesar de — e contra — gente como ele.
Menos de vinte e quatro horas após a exibição de uma entrevista sua — ao quadro “O Povo quer saber”, do CQC — em que destila homofobia e racismo em doses concentradas, o deputado valentão afinou.
A repercussão da entrevista, sobretudo da resposta à pergunta da cantora Preta Gil, foi extremamente negativa.
É certo que o racismo ainda existe e é muito forte nas entranhas da nossa sociedade. Entretanto, a sua manifestação explícita, especialmente por uma pessoa que exerce cargo público e da qual se espera seriedade e responsabilidade, é sempre alvo de intensa e inequívoca rejeição, ao contrário da homofobia, não apenas tolerada, mas exaltada e difundida de todas as formas e em quase todos os espaços (*).
Em discurso no plenário da Câmara, na tarde de terça (29), Jair Bolsonaro — perdoem a expressão chula — “cagou ralo”, abaixou o tom de voz, provavelmente por medo de perder o mandato, e tentou remediar o irremediável.
“Eu quero crer que foi um erro meu, que me equivoquei-me na pergunta”, afirmou um sóbrio e calmo Bolsonaro, em raro ou único pronunciamento onde não achincalhou parlamentares de esquerda e/ou atuantes em direitos humanos.
Agora vai responder a representação onde é acusado de quebra de decoro, por cometer o crime de racismo, e poderá perder o mandato e, junto com ele, a tribuna privilegiada para seus arroubos e provocações de moleque de recados dos milicos de pijamas.
Também na terça, um grupo de quase vinte deputados e deputadas, de quatro partidos (PCodB, PDT, PT e PSol), protocolou na Presidência e na Corregedoria da Câmara uma representação contra Bolsonaro (**). O documento também será encaminhado ao Ministério Público Federal e ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), principal órgão colegiado de direitos humanos em nível federal.
Os deputados petistas Édson Santos (RJ) e Luiz Alberto (BA), ambos militantes do movimento negro, eram os mais indignados. “A declaração é indigna de um representante da sociedade e a tentativa posterior de remediar a situação é um ato de covardia”, classificou o primeiro. “Ele não emitiu apenas uma opinião, algo que é garantido pela imunidade parlamentar, mas cometeu um crime previsto em lei”, arrematou o baiano.
Se a cassação virá, ninguém pode afirmar. De qualquer modo, o recuo do falastrão indica que até mesmo ele possui nítida noção de que existem limites para o reacionarismo.
* Sou defensor incondicional da aprovação do PLC 122 (clique aqui para conhecer), projeto de lei que criminaliza a homofobia e pode frear ou diminuir a violência cotidiana que, no Brasil, causa a morte de uma pessoa a cada dois dias. Vale ressaltar que, ao contrário do que dizem alguns pastores, padres e outros fundamentalistas religiosos, a aprovação do PLC 122 não significa “mordaça” ou interferência do Estado nos assuntos religiosos. O PLC 122 trata apenas de garantir o respeito à Constituição, que proíbe qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Entre muitas outras, uma das maiores mentiras a respeito do PLC 122 é o boato estapafúrdio dizendo que as igrejas serão obrigadas a celebrar casamentos gays.
** O texto da representação e a lista dos signatários seguem abaixo (clique em Leia Mais). Para apoiar a manifestação, escreva para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (cdh@camara.gov.br):
A sua excelência o senhor
deputado Marco Maia
Presidente da Câmara dos Deputados
Os parlamentares infra-assinados vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência representar contra o deputado JAIR BOLSONARO pelas razões de fato e de direito na seguinte:
REPRESENTAÇÃO
DOS FATOS
Na noite de 28 de março de 2011 foi ao ar o programa da TV Bandeirantes entitulado CQC – Custe o Que Custar, no qual foi veiculada uma entrevista com o Deputado Jair Bolsonaro no quadro do CQC denominado “O povo quer saber”. No decorrer da entrevista, o referido parlamentar, ao ser indagado pela artista e promotora Preta Gil “se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?” Eis a resposta literal do entrevistado: “ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja, eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o seu” (!).
Esta resposta caracterizada por evidente cunho racista culminava uma série de afirmações em desapreço a diversos grupos sociais e em apologia a graves violações de direitos humanos, no decorrer de toda a referida entrevista.
Na realidade tem sido recorrentes as manifestações de cunho racista proferidas pelo Sr. Jair Bolsonaro nesta Casa e fora dela, contra diversos grupos sociais e organizações defensoras de direitos humanos, dentre as quais a própria Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da qual ele é membro suplente por designação do partido a que é filiado, o PP.
DO DIREITO
A difusão de conteúdos ideológicos por meio da mídia eletrônica é de conhecido poder de multiplicação, principalmente quando se trata de programa que conta com significativa audiência, como o CQC. O Sr. Jair Bolsonaro ao utilizar-se de um espaço midiático para propagar atos que configuram crimes, extrapola a liberdade de expressão para ofender a dignidade, a autoestima e a imagem não só da pessoa que fez a pergunta naquele momento, mas de toda a sociedade, uma vez que os direitos e princípios constitucionais ofendidos pertencem à toda a sociedade.
A Lei 7.716, de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, inclui, no seu Art. 20, “que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” é crime passível de reclusão de um a três anos e multa.
Essa Lei decorre de tratados internacionais de que o Brasil é signatário. A Constituição Cidadã é explícita ao repudiar o racismo como prática social, considerando-o como crime imprescritível e inafiançável. O Art. 1º da Carta Magna, que define como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil “III – a dignidade da pessoa humana.”
O Art. 3º, que enumera os objetivos fundamentais da República, contempla “IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Já o Art. 4º , que estabelece os princípios pelos quais se regem as relações internacionais do país, VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo (…).
O Art. 5º da Constituição Cidadã, por sua vez, define que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…). O mesmo Artº 5º, em seu Inciso XLII, prevê que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com base no Recurso Especial 157805/DF, prevê que “Incitar, consoante a melhor doutrina é instigar, provocar ou estimular e o elemento subjetivo consubstancia-se em ter o agente vontade consciente dirigida a estimular a discriminação ou preconceito racial. Para a configuração do delito, sob esse prisma basta que o agente saiba que pode vir a causá-lo ou assumir o risco de produzi-lo (dolo direto ou eventual).”
Por sua vez, o Código Penal, define o crime de injúria no Art. 140, estabelecendo que se trata de injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. O § 3º da mesma lei,estabelece que “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a pena é de reclusão de um a três anos e multa.
Ante o exposto, requerem os representantes se digne V. Excelência determinar, em respeito aos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta Magna de 1988 e da Lei vigente, a instauração do devido procedimento contra o Deputado JAIR BOLSONARO, para que seja:
1) Avaliada se a conduta do Deputado Jair Bolsonaro configura efetivamente a prática do crime de racismo;
2) Determinadas providências para requisição de vídeo tape do programa CQC à TV Bandeirantes exibido na noite de 28 de março de 2011 para melhor exame do caso;
3) Determinadas providências para requisição de transcrições de discursos do referido deputado nos quais se demonstram as práticas recorrentes de injúrias, ofensas à dignidade e incitação da discriminação e preconceitos, inclusive contra a Comissão de Direitos Humanos e Minorias;
4) Encaminhe à Corregedoria e, posteriormente, ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar abertura de processo sobre eventual quebra de decoro parlamentar.
Brasília(DF), 29 de março de 2011
Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) – presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
Brizola Neto (PDT-RJ)
Chico Alencar (PSol-RJ)
Domingos Dutra (PT-MA)
Édson Santos (PT-RJ)
Emiliano José (PT-BA)
Érika Kokay (PT-DF)
Fernando Ferro (PT-PE)
Ivan Valente (PSol-SP)
Jandira Feghali (PCdoB-RJ)
Jean Wyllys (PSol-RJ)
Luiz Alberto (PT-BA)
Luiz Couto (PT-PB)
Marina Santanna (PT-GO)
Perpétua Almeida (PCdoB-AC).
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