quinta-feira, 24 de março de 2011

Os governantes e as leis

Posto aqui um artigo de um irmão de farda do estado do Tocantins, Capitão Lacerda, que, de maneira brilhante, expõe alguns absurdos que ocorrem naquele Estado que, às vezes, me lembra um feudo. Um enorme feudo. Mas homens com coragem e atitude como o oficial supracitado, ainda nos dão algum alento e esperança de alguma mudança para melhor. Para aqueles que quiserem visitar o blog do Cap Lacerda, o sítio é http://lacerda703.blogspot.com/.




Os governantes e as leis

Muito interessante os últimos acontecimentos no Tocantins.
Mais legal ainda é perceber que os tempos mudam, mas a fórmula bíblica não muda:

"NÃO HÁ NADA NOVO DEBAIXO DO CÉU"

Desde os tempos mais remotos os governantes resolvem se revestir da suprema e soberana incumbência de ser a principal fonte do Direito.

Roma ruiu por causa disso. Ainda assim, o império erigido pelos romanos jamais deixou de ser uma forte influência para as práticas de diversos países ao longo de todos esses séculos.

Há quem diga que, na verdade, eles não possuiam uma cultura própria e que foram de fato os gregos que deixaram o maior legado cultural para as nações contemporâneas.

De qualquer forma, a maior conquista experimentada pela humanidade até o momento presente foi a postulação da democracia.

Este legado jamais poderá ser negado ao mérito dos gregos, sem nenhuma dúvida.

As relações entre o ente subjetivo denominado Estado e os cidadãos de determinado espaço geográfico que perfaz uma sociedade, seja no nível federal, estadual ou municipal, num dito Estado Democrático de Direito, presumem-se determinadas, de maneira absoluta, pelas leis.

Ou seja, aquilo que foi construído por um processo assim chamado de legislativo, e, portanto, democrático, não pode sucumbir às vontades ou desmandos individuais, de quem quer que seja.

Não vou assumir aqui uma postura de Diogo Mainardi e ficar malhando uma personalidade política, com exclusividade e insistência quase doentias.

Apenas faço um adendo à uma situação, noticiada nos últimos dias em diversos sites e nos programas jornalísticos televisivos de diversos canais, que é simplesmente chocante e não pode passar despercebida pela população. Muito menos pela população pensante do Estado.

Considera-se até aceitavel que pessoas menos esclarecidas e que não tiveram acesso a condições favoráveis de educação, permaneçam inertes.

Aceitar, contudo, que um governante se coloque acima de uma lei federal, e ainda ser aplaudido por isso, diga-se de passagem, é uma postura que beira à mediocridade. Sobretudo, considerando a amplitude de tal determinação.

Para não incorrer em erro, transcrevo a notícia a que me refiro de um site de noticias, que se autointitula o mais lido do Tocantins.


O governador Siqueira Campos (PSDB) determinou ao comando da Polícia Militar do Tocantins (PM) que evite a invasão de área de competência da atribuição dos prefeitos dos 139 municípios do Estado, afastando os policiais militares da expedição de multas de trânsito (Executivo Municipal), já que este não é o seu papel. De acordo com a Assessoria de Imprensa do governador, Siqueira Campos se refere a aplicação indiscriminada de multas nos domínios dos municípios, usurpando funções que não são do Estado e sim das prefeituras. Ainda conforme a assessoria, o governador entende que apenas os prefeitos conhecem a realidade e as circunstâncias que pautam a relação com as comunidades nos seus respectivos municípios, embora existam atos persuasivos, que busquem pressionar a Polícia Militar a aplicar multas de trânsito indiscriminadamente, principalmente em Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e demais cidades grandes. A PM continuará cumprindo o dever de garantir a segurança no trânsito, isto inclui verificar as condições dos veículos e dos condutores, e usar de suas atribuições para coibir as ilegalidades. “O papel da PM é garantir a segurança no trânsito, bem assim a tranqüilidade e segurança do cidadão e suas comunidades”, disse o governador. (Site www.clebertoledo.com.br - acessado no dia 17/03/2011)

Vejamos, portanto, o que a legislação diz a respeito do obejto proposto, de forma a ter certeza de que nosso querido, ou siquerido, governador não avocou, ou quem sabe invocou, para si, os espíritos dos antepassados que acreditavam, como o governante que afirmou diante de todos "eu sou a lei", que todos os "súditos" deveriam se render ao desígnio do "todo poderoso", "representante dos deuses", do santo e soberano governante, ou talvez imperador, ou magnificiência, ou seja lá o adjetivo que se queira atribuir à sua retrógrada, autoritária e incocebível postura.

No site do DENATRAM (http://www.denatran.gov.br/municipios/orgaosmunicipais.asp - acessado no dia 17/03/2011) pode-se ler o seguinte:

SOBRE A MUNICIPALIZAÇÃO DO TRÂNSITO
O Código de Trânsito Brasileiro, no melhor e mais equilibrado espírito federativo, prevê uma clara divisão de responsabilidades e uma sólida parceria entre órgãos federais, estaduais e municipais. Os municípios, em particular, tiveram sua esfera de competência substancialmente ampliada no tratamento das questões de trânsito. Aliás, nada mais justo se considerarmos que é nele que o cidadão efetivamente mora, trabalha e se movimenta, ali encontrando sua circunstância concreta e imediata de vida comunitária e expressão política.
Por isso, compete agora aos órgãos executivos municipais de trânsito exercer nada menos que vinte e uma atribuições. Uma vez preenchidos os requisitos para integração do município ao Sistema Nacional de Trânsito, ele assume a responsabilidade pelo planejamento, o projeto, a operação e a fiscalização, não apenas no perímetro urbano, mas também nas estradas municipais. A prefeitura passa a desempenhar tarefas de sinalização, fiscalização, aplicação de penalidades e educação de trânsito.

Informações para integração do Município ao SNT


Para os municípios se integrarem ao Sistema Nacional de Trânsito, exercendo plenamente suas competências, precisam criar um órgão municipal executivo de trânsito com estrutura para desenvolver atividades de engenharia de tráfego, fiscalização de trânsito, educação de trânsito e controle e análise de estatística. Conforme o porte do município, poderá ser reestruturada uma secretaria já existente, criando uma divisão ou coordenação de trânsito, um departamento, uma autarquia, de acordo com as necessidades e interesse do prefeito.
O art. 16, do Código de Trânsito Brasileiro, prever ainda que, junto a cada órgão de trânsito, deve funcionar a Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI), órgão colegiado responsável pelo julgamento dos recursos interpostos contra penalidades impostas pelo órgão executivo de trânsito.

Para efetivar a integração do município ao Sistema Nacional de Trânsito, deverá ser encaminhado ao Denatran:
• A legislação de criação do órgão municipal executivo de trânsito com os serviços de engenharia do trânsito, educação para o trânsito, controle e análise de dados estatísticos e fiscalização;
• Legislação de criação da JARI e cópia do seu regimento interno;
• Ato de nomeação do dirigente máximo do órgão executivo de trânsito (autoridade de trânsito);
• Nomeação dos membros da JARI, conforme Resolução Contran nº 357;
• Endereço, telefone, e-mail, fax do órgão ou entidade executivo de trânsito e rodoviário.

A primeira pergunta é: QUAIS SÃO OS MUNICÍPIOS, NO TOCANTINS, QUE ATENDEM A TAIS IMPOSIÇÕES LEGAIS?

Mas, independente disso, a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que por sinal é o tal Código de Trânsito, diz ainda:

Seção II 
Da Composição e da Competência do Sistema Nacional de Trânsito

Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores; 
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
Art. 8º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atuações.

A segunda pergunta, inescusável inclusive, portanto, emerge cristalina e de fácil solução: ONDE É QUE ESTÁ ESCRITO QUE A PM TOCANTINENSE NÃO TEM COMPETÊNCIA PARA ATUAR NAS QUESTÕES DE TRÂNSITO?

Se houver alguma lei estadual em vigor, regulamentando que a PM tocantinense está desobrigada de cumprir as imposições do´CTB, peço o perdão do leitor e de todos os responsáveis pela determinação governamental e aqui mesmo me dispeço, já com as malas prontas para encarar o rincão mais distante do território estadual.
Se não, agradeço a atenção dispensada até aqui e convido o leitor para, pacientemente, permitir que conclua meu raciocínio.

Como Capitão da Polícia Militar do Tocantins e figura completamente alheia ao que os governantes podem acreditar ser os supremos interesses do Estado, e ainda como alguém que praticamente não entende nada de política, ou seja, como um NINGUÉM qualquer que sou, me sinto na obrigação de me recusar a aceitar tamanho desrespeito com a democracia e com tudo aquilo pelo que muita gente antes de mim morreu por defender.

Os ideais da democracia transformaram e continuam transformando o mundo justamente pela completa impossibilidade de refutá-los. Nenhuma pessoa em sã consciência pode dizer que prefere viver debaixo dos mandos e desmandos de um monarca ou ditador insandecido.

Fico a imaginar como personalidades tão vigorosas, e com tamanhas conquistas no currículo, se deixam cair nas armadilhas da vaidade e das vãs negociatas.

Negociar funções dentro de secretarias, negociar valores orçamentários, negociar preços menores etc., fazem parte de um arcabouço de medidas e ações que, de fato, o governante deve se esforçar em estabelecer, até mesmo em prol da própria permanência da democracia.

Negociar o fiel cumprimento de leis federais, no entanto, não parece, a meu ignorante ver, pertencer ao rol de alternativas viáveis ao bom governo ou governante. Pelo contrário, entendo que o bom governante jamais irá cogitar o descumprimento de qualquer lei que seja.

Podem os oposicionaistas dizerem "mas o que foi que você já governou para saber o que é um bom governo?". A estes apenas reitero minha profunda admiração pela pessoa do Excelentíssimo senhor Governador do Estado e por todas as grandiosas e ilustres conquistas que alcançou.

No entanto, me exponho e disponho a cumprir todas as possíveis "rebordosas" decorrentes reste infeliz pronunciamento, pelo simples e cristalino compromisso que tenho comigo mesmo e com minha consciência.

Os amigos irão dizer que não vai mudar nada na minha vida ficar criticando ações do "Comandante em Chefe" da instituição a qual pertenço.
Eu realmente deveria ouvir meus colegas e ficar por aí, me esgueirando pelos corredores, atrás de um e de outro, para conseguir uma promoção "por excepcionalidade" ou qualquer outra vantagem suburbana, mesquinha e estúpida.

Mas, meu orgulho de ser NINGUÉM, me impõe a ombridade de manifestar não só a indigestão que me causou a leitura da notícia suso transcrita, como a verdadeira afronta ao corpo social que se constitui, tanto a determinação do governante, quanto o seu cumprimento por parte das autoridades que deveriam lhe assessorar e impedir que cometesse tal atrocidade.

São palavras fortes, com endereço e proprietário!

Não tenho motivos para me esconder, assim como não tenho motivos para aparecer.

Não quero seu voto, prezado leitor, tampouco pretendo liderar uma insurreição contra o governo.

Apenas acredito na democracia e tenho absoluta certeza que todas as possíveis penalidades à minha carreira impostas, não obscurecem minha consciência e minha liberdade. Estes são direitos que me pertencem e dos quais jamais abrirei mão.

Talvez se estivesse exercendo o governo de um Estado, estivesse completamente perdido em meio a tantos compromissos e interesses. Isso, acredito que jamais irei saber. Só sei que aqueles que se propõem a tal intento deveriam estar devidamente preparados para isso e para todas as possíveis implicações inerentes.

Creio numa política limpa e eivada dos princípios elementares que regem o processo democrático.

Ainda consigo imaginar uma sociedade livre, justa e solidária, conforme a fórmula constitucional.

Consigo sonhar com a realidade social que se perfila nos ditames impostos unicamente pela legislação e pela possibilidade de mudá-la quando o todo representativo da coletividade, em anuência, assim o decide.

Amigo tocantinense, senhores comandantes, Excelentíssimo senhor Governador e todo mundo que se dignou a ler estas breves e desprentensiosas palavras, apenas gostaria de invocar o espírito da sobriedade, da honestidade e do bom senso para ocupar o lugar dessas práticas dos nossos antepassados, que morreram com os ventos da história, pela sua completa insustentabilidade e pela distância que mantinham das verdadeiras necessidades da já sofrida e impaciente população de iletrados, ambulantes, miseráveis, doutores, professores, deputados, prefeitos, jornalistas e demais PESSOAS, que se constituem num dos elementos sem o qual aquilo que se denomina de Estado jamais sequer existiria.

Durmo com a consciência tranquila e o sentimento de dever cumprido. E irei aplicar tantas infrações quantas me saltarem aos olhos, enquanto estiver no exercício legal da profissão que abracei e nenhuma lei me impor outra conduta.
Sem insubordinação ou desrespeito. Apenas com desiderado fulgor e plena convicção de estar exercendo meu papel enquanto agente encarregado de aplicação da LEI.


Rodrigo Nascimento Lacerda Guimarães
Capitão da Polícia Militar do Estado do Tocantins


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